domingo, 23 de fevereiro de 2014

Apresentação do livro de Olga Resi

É já no próximo sábado. Espero-vos!

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Texto publicado no Diário de Notícias sobre Orlando Vitorino

Orlando Vitorino
ou a filosofia como acto de liberdade

O décimo aniversário sobre o falecimento de Orlando Vitorino (1922-2003), um dos filósofos mais decisivos da Casa de Portugal, passa na próxima semana. Epígono de Álvaro Ribeiro e José Marinho, é um dos propositores da Escola de Filosofia Portuguesa, continuadora da “Renascença Portuguesa” de Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes.

De forma mais ou menos explícita, a filosofia portuguesa sistematizou os seus princípios, conceitos e ideias, na senda da tradição clássica, formalizando uma visão do homem e do mundo, cuja autenticidade assegura a sua transmissão através de sucessivas gerações de filósofos e poetas

Para a brevidade deste artigo, e se quisermos anotar algumas ideias essenciais desta tradição, diríamos que o magistério leonardino nos deixou um sistema a que deu o nome de Criacionismo e postulou duas premissas: a filosofia é o órgão da liberdade o homem é um obreiro do mundo a fazer. O seu discípulo Álvaro Ribeiro, sistematizou a tese da existência da filosofia portuguesa, perante a adversidade geral das instituições da cultura oficial e a concordância de poetas e filósofos, e deixou para o futuro difícil noção: o homem é um composto de corpo, alma e espírito que resulta numa “razão animada", contrariando o preconceituoso conceito de “anima racional”. A filosofia é a arte de pensar e não há filosofia sem teologia são outras das premissas de um dos mais fecundos filósofos portugueses, que Orlando intitulou “Mestre dos que sabem”, lembrando o epíteto que Platão atribuiu a Aristóteles. Para além do empenhamento político que implicavam estes filósofos na defesa de causas retiradas do seu pensamento filosófico, também é comum aos dois, a reflexão sobre as categorias aristotélicas e o pensamento categorial dos predicados e atributos. Estes aspectos impressionam de forma definitiva e exclusiva a tradição central da filosofia portuguesa, distinguindo na literatura um estilo filosófico, garantido por uma lógica que é também uma teoria do pensamento. Desde a sua intuição inicial, este estilo literário resultou numa expressão filosófica sem cedências ao equívoco conceptual e nocional. Não obstante a sua proposição por vezes enigmática, a contribuição de José Marinho para a tradição da filosofia portuguesa advém seus postulados que firmam a verdade como o que mais importa ao pensamento.

Nesta tradição, situa-se Orlando Viitorino cujo pensamento se encontra exposto em diversas publicações, das quais ressaltam “Refutação da Filosofia Triunfante” e “Exaltação da Filosofia Derrotada”, obras completadas por uma terceira, por publicar, que o autor intitulou “As Teses da Filosofia Portuguesa", e que sintetizaria um sistema de filosofia. Não obstante, algumas das teses foram já expostas em artigos, como “A Teoria da Verdade de José Marinho” e a “Doutrina do Espírito de Álvaro Ribeiro", publicados na Leonardo, revista de filosofia portuguesa, nos quais enuncia a concordância principial dos dois métodos da arte de pensar. No pensamento de Orlando Vitorino caduca a referência, tão ao gosto dos que não acedem ao pensamento categorial, a tese das “duas vias” da Escola Portuguesa, referindo-se uma a Álvaro Ribeiro, outra a José Marinho. Neste autor, o magistério leonardino realiza um movimento analógico e proporcional, qual espiral, num ideário que Orlando designa a como um "idealismo realista” e que completa um ciclo da filosofia clássica. Diz o filósofo que ciclo encerra todo o saber, a partir do qual se fazem actualizações ou, em linguagem leonardina, cristalizações, ou a sua decadência, coisificações, dessa tradição perene e original. "Não há nenhum acréscimo substancial de saber ou ciência entre a filosofia aristotélica, o cristianismo e a filosofia criacionista ", escreve Orlando Vitorino.

 
Filosofia Triunfante e Filosofia Derrotada

 
Para marcar a situação cultural e a divergência entre a filosofia moderna e a filosofia portuguesa, Orlando Vitorino designou as de "Filosofia Triunfante” e "Filosofia Derrotada". No livro dedicado à primeira, o filósofo enuncia o erro que constitui todo o pensamento moderno. Desde logo, porque nega a eternidade do mundo, privando-o do seu carácter necessário e impondo limites, onde o pensamento clássico concebia perenidade e inviolabilidade. No mundo limitado e desnecessário, e por isso, todo ele passível de ser explorado, a finalidade dada ao pensamento e desenvolver técnicas domínio que o coloquem ao serviço e às mãos do homem. O mundo e a natureza são ilusões, mera fenomenologia, para o pensamento moderno. A última expressão da negação do mundo e da natureza, é a afirmação da tecnologia como fundamento ôntico de toda a existência.

Dada a concordância de todo o pensamento, a consideração da eternidade do mundo é uma condição do pensamento categorial. Não obstante, o método partir do particular para o geral, ou se quisermos, do fim para o princípio, a arte de pensar concebe desde o infinito e o inviolável, não como decadência ou degradação do espírito, mas como realização positiva, necessária e transcendente da finalidade, ou se preferirmos, da Verdade. Como nos ensina a lógica, a afirmação universal é uma condição da verdade. Os princípios predicados permitem a dedução de atributos e, assim, participar na existência das coisas, que até aqui, sem consciência delas próprias, apenas, só mera virtualidade e disposição. O pensamento cateqorial, que é sempre pensamento da verdade, e racional e necessário à realização do mundo porque atribui existência as coisas, manifestando o que lhes é próprio. A razão, elemento operativo, é um acordo existencial e um factor de amor e perfeição. A filosofia portuguesa é uma religião da razão.

A confusão entre o que é determinado e o que é limitado, aliado ao espectáculo do mundo e a sensitividade e a sentimentalidade, parecem não garantir o que nos é dado aos sentidos mas o movimento de corrupção, se carece do homem para se realizar, não lhe pertence. Como só se pensa o que é estável, a dedução da irrealidade do sensível apresenta-se como verdadeira.

O mínimo pensamento que socorre toda a existência não é compatível e com a coisificação do limite, porque então, seria suposto que esse pensamento se esgote na plena existência. Sem fundamento lógico o limite é uma negação e as relações perpétuas retiram-se da eternidade.

As tentativas de negar a eternidade do mundo são o primeiro passo para a destituição do pensamento e a valorização da vontade e da acção, como garante de todo o real, ser e existência.

 
Os mais apressados viam na exposição desta teses clássica, aliás pouco desenvolvida na obra do filósofo, mas de primordial importância para compreender a original do conceito de propriedade que determina todo o seu pensamento, a negação dos dias da criação e, portanto, de Deus criador. A leitura de quaisquer escrituras sagradas segundo a letra e a positividade da narrativa, acaba por obstruir a teleologia teológica e dificulta a compreensão da heterodoxia dos filósofos segundo uma teologia que não descansa na fé. Além do mais, a criação do mundo supõe um nada, o “não-ser” ou uma “não-existência”, conveniente à ontologia como fundamento de todo o real que, associada à tese da morte de Deus, afasta a natureza da verdade e abandona o homem a si próprio.

Demora e Orlando Vitorino na demonstração do imenso erro das teses da filosofia triunfante, se quisermos, da filosofia moderna, que resultam nas diversas formas de materialismo moderno que se desenvolvem na história e na cultura. O resultado, aliás já reconhecido pelos pensadores do desespero e do temor, torna a vida humana insuportável e obstrui a realização da felicidade e do bem. Entre o saber e o ignorar, destituída a verdade e a razão do acordo amoroso e universal, o erro, aqui um intermediário ou demónio, instiga o mal no teatro do mundo.

 
Eternidade e propriedade

 
Uma das ideias mais importantes de Orlando Vitorino, um dos pensadores mais decisivos da Filosofia Portuguesa, é a de propriedade. Brevemente explicitada na “Exaltação da Filosofia Derrotada", este conceito firma e organiza o seu sistema filosófico. Se bem que a sua proposição seja enunciada nos capítulos dedicados à economia e ao direito, é possível deduzir o carácter principial desta noção de propriedade no pensamento do filósofo.

Esta substância, diríamos o cosmolóqica, determina toda a existência e da sua modalidade, que não é cisão, nem separação, resulta o género de relação que o homem tem com o mundo. A propriedade é a forma da existência, mas precede-a na virtualidade e potencialidade. E, como toda a forma, e perfeita e um advento da verdade. A propriedade é o que é próprio das coisas. Se num aspecto, nelas radica e delas não se separa; noutro, carece da participação do homem para se realizar, na medida em que as coisas não têm consciência ou o saber de si. Nas palavras do filósofo, as "para que se saibam e depois se afirmem e manifestem no que lhes é próprio, na sua propriedade”. A liberdade, que é a posição dos fins, faz manifestar a finalidade das coisas que, até aqui, permaneciam inertes, "uma simples presença. O homem, a razão humana ou actos de razão (as palavras), é um momento do ser que transita para a existência e revela a sua propriedade. A sua necessidade advém do mundo e não de Deus, que na sua omnipotência o poder a dispensar, não informando o mundo.

Diz Orlando, que o homem "conhece assim que a existência de cada coisa envolve toda a sua indivisível unidade, conhece que, manifestada essa existência, a coisa se torna inalienável, conhece enfim que, estabelecida a relação, ela não é instantânea e destruidora, mas tem de ser perpétua. Por analogia, aos atributos que define para a propriedade – indivisível, inalienável e perpetua -, Orlando faz corresponder três modos para a substancia que se realizam em graus diferentes: absoluta, a perfeita e a imperfeita: o primeiro, tem a sua imagem no corpo do homem, identifica ser e existir, é o arquétipo das outras duas formas de propriedade e identifica-se com a liberdade: o segundo, refere-se às coisas naturais; a terceira, às coisas industriais, ou que são produzidas pela máquina.

Esta concepção não se garante se for abandonada a consideração segundo a qual o mundo e eterno. Prestes, se da precedência e realidade ao “não-ser”, algo que não pode ser pensado porque não tem propriedade. Por outro lado, as coisas são para serem e existirem, pelo que esse "não-ser” e efémero e provisório e concebe a criação do homem como livre arbitrio de Deus ou o acaso das forças cósmicas. No lance, aduzimos que para este autor o mal também é efémero e, acrescentamos, um equivalente “não-ser".

O pensamento só pensa a verdade e o bem e por conseguinte, todas as finalidades são tomadas como boas. O carácter principial do bem não se coaduna com cisões e a equivalência dos dois termos bem e mal - contradiz a natureza humana. O bem é um princípio, 0 mal uma determinação no mundo.

A história e a cultura revelam a ilusão e mostram o erro da razão humana. Para a entificação do mal conoorre a carência do pensamento cateqorial nas determinações do espírito, da verdade e da liberdade. O Espírito, a Verdade e a Liberdade, predicados análogos aos atributos indivisível, inalienável e perpétua., organizam o sistema filosófico de Orlando Vitorino segundo três aspectos: as condições do pensar, a representação do mundo e a realização dos princípios. Aquela trilogia é a teleologia que determina a obra deste pensador, assim como o seu movimento operativo. do qual nos deixou testemunho na economia, na política e na educação. Nesta dedução, Orlando Vitorino seguiu o preceito de Leonardo, segundo o qual a filosofia e o órgão de liberdade, elemento do espírito que a razão assegura e revela.

Repto às novas gerações

O pensamento de Orlando Vitorino promove a esperança. A síntese operativa que faz ao nível da educação, da economia e do direito realiza e introduz a liberdade no convívio entre os homens. Às gerações futuras, Orlando Vitorino esclareceu as tendências modernas e enunciou as condições do pensamento filosófico. As suas noções desenvolvem um ideário que possibilita e situa a visão da felicidade para a condição actual do homem. Efectivamente, vivem-se hoje acontecimentos que assinalam o transito para uma nova Era e um novo estilo de vida, à semelhança da “revolução industrial”. Este transito necessita de uma visão orientadora, ou se preferirmos, de um pensamento categorial para que sejam dados aos instrumentos, nomeadamente a técnica e a tecnologia finalidades que não apontem para o fim do mundo, nem tornem a vida insuportável ou espalhem a infelicidade. O desígnio da história deu um sinal, ao fazer da Internet um instrumento de liberdade. A filosofia portuguesa é o repto às novas gerações de filósofos e poetas. Divulgar a tradição pode ser trabalho culturalmente meritório, mas não o operacionalizar para os dias de hoje e não seguir o exemplo dos mestres que às causas fizeram corresponder sistemas filosóficos e corolários sociais e políticos, é recusar as responsabilidade espirituais para com a Pátria que vive, de há multo, um crepúsculo outonal.