quinta-feira, 26 de setembro de 2013

“Biscate” da nossa liberdade!

Todos nós, ficámos a saber, oficialmente, que a “economia não registada” (ENR), vulgo economia paralela, representa cerca de 26,7% do nosso PIB, confirmando uma tendência de crescimento. Segundo cálculos do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (Obejef), da Faculdade de Economia do Porto, sem economia paralela, o PIB nacional teria ascendido a 209 mil milhões de euros em 2012. Aplicando uma taxa de imposto de 20% às actividades "ENR", o défice público seria negativo em 1,7% e, em percentagem do PIB, o valor ainda seria negativo, mas de apenas 0,85%. O índice universitário inclui a produção ilegal, a produção oculta (subdeclarada ou subterrânea), a produção informal, a produção para uso próprio (autoconsumo) e a produção subcoberta por deficiências da estatística. Por sectores, o maior peso da economia paralela verifica-se no comércio e serviços, segue-se a indústria e depois a agricultura.

Os responsáveis do "Obejef" logo deram o “mote” à comunicação social: a economia paralela é mais de metade do empréstimo da troika, como quem diz: o “biscate” é o culpado pela situação das contas públicas, numa atitude moralista muito própria do intervencionismo estatal. A verdade é que a situação das finanças públicas se deve à crescente intervenção do Estado na vida geral dos portugueses e que existe uma relação entre o crescimento do Estado e do intervencionismo estatal e o aumento da designada “economia paralela”. E não pode deixar de ser assim: o rendimento gerado por seis meses de trabalho de cada um de nós vai direitinho para os cofres do Estado, até ao proclamado “dia da liberdade” (4 de Junho). Em vez de dimensionar o Estado provocando, a prazo, o fim dos impostos directos, a ideia é ainda mais plenamente totalitária: acabar com a economia paralela para sustentar a intervenção Estatal. O crescimento dos impostos directos é uma imoralidade e uma injustiça que o Estado impõe a todos nós.

Actualmente, a economia paralela é uma forma de mercado livre e deveria ser entendida como uma realização do direito à desobediência civil, consignada na Constituição, dada a situação de escravo a que o Estado remete cada português.

Místico extraviado

“És um místico extraviado!”, atalha o João, companheiro de serão em casa do Ivo. A expressão, glosa uma ideia de José Marinho, sublinha a condição espiritual do pensamento filosófico, ganhou voz surpresa, espontânea e conclusiva, a rematar o diálogo.

Do rumo da conversa, são esparsas e imprecisas as vozes da memória. “Afinal, diz o Ivo que se juntara ao convívio, sempre procuras a expressão segura no conceito e estável nas teses e as tuas interrogações sempre assumiram cariz, digamos racionalista se não te ofenderes com o epíteto, agora espantas com a confissão de uma experiência mística!”


O olhar perspicaz do João, aliado a um humor inteligente e subtil, parecia querer dizer: “És um envergonhado!”, mas do que afirmou lembro mais ou menos isto: “Compreendo esse receio das palavras e da expressão! A experiência mística é algo incomunicável em si mesma, ou para utilizar, um termo leonardino, é experiêncial. É uma vivência única, individuada e solitária. A confissão pode ser entendida por muitos como partilha ou prova de crença num deus, profeta ou outro ente celeste, mas não deixa de ser uma emanação de antropocentrismo vergonhoso! A crença pode sugerir comunidade, comunidade de crentes, mas na sua perenidade é inviolável e incomunicável. O imenso equívoco que sentimos no que há de mais íntimo em nós é a demanda do mediador. A crença, que é dar realidade a algo, assiste à ciência, mas o que dela subsiste como experiência mística mantêm-se inviolável e não comunicável!”. Por momentos calou-se até dizer, entre dentes, e inseguro: “Não há ciência da experiência mística! Os iluminados... ” De novo volveu ao silêncio, mas já todos adivinhávamos o pensamento: “Os iluminados não têm vergonha de anunciar ao mundo o modo do convívio espiritual. Tratam os seres celestes por “tu”, sem recurso à alegoria, analogia ou metáfora. A superioridade que se atribuem e si próprios é um acto de soberba!”. Diria o João, gesticulando os braços. O silêncio foi interrompido pelo Ricardo, sempre mais atrevido e impaciente: “Tenho para mim, que a racionalidade revela sempre essa intimidade experiêncial. O pensamento, segundo os analíticos, ou a lógica, é a forma comunicável, ou se quisermos, visível, dessa experiência. Até os que se ficam pela razão raciocinante, ou o racionalismo ideológico, apresentam sinais da presença mística.”


“É interessante o que dizes”, interrompe o Ivo. “Não é Álvaro Ribeiro que define a palavra como acto de razão? E a razão como sendo o espírito humano (e assim sendo, não haverá distinção entre espírito no homem e espírito do homem!)? Todos acompanhávamos envolvidos o discorrer do Ivo e nem demos pela pausa que fez antes de concluir: “A ciência, saber mostrar por conceitos, não dispensa a experiência mística, porque se trata de uma expressão do espírito ou espiritual.”


Ricardo aproveitou a respiração do Ivo para rematar:”Toda a expressão, e toda a expressão é um acto de razão, revela sempre algo de místico e é uma forma de revelar, mostrar e esconder, o convívio do seu autor com os seres celestes?”


O Ivo, sempre de cigarro nos dedos, escutava, enquanto servia o vinho e cortava mais umas fatias de presunto. “É de Chaves?” inquire o João, enquanto compõe uma fatia no pão.


O diálogo derivou para as coisas gastronómicas. Os serões discorrem descontraídos em redor de pão e vinho. A conversa parecia ter perdido sentido do que mais importa, mas não deve ter sido exactamente assim. As memórias são difusas e o desvelar por palavras sem consistência periga a fidelidade da amizade aos confrades. Ainda soa no espírito de todos, a afirmação de Álvaro Ribeiro segundo a qual não se pode pensar sem acreditar em Deus para acentuar a necessidade da crença ao pensamento, à filosofia e à razão.


 

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Carta Aberta a Pinharanda Gomes: «Nova Águia» prepara a traição dos intelectuais


Com a aproximação do décimo aniversário sobre o falecimento do filósofo Orlando Vitorino (1922-2003) assistem-se diversas tentativas de absorção da sua obra pelos universitários, reunidos na revista "Nova Águia", com o beneplácito de Pinharanda Gomes e António Brás Teixeira, antigos discípulos de Álvaro Ribeiro e companheiros de viagem.  Nós, os da “Leonardo” , escrevemos já em 2008, uma carta aberta  a Pinharanda Gomes a propósito de um artigo seu publicado n "O Diabo" sobre o legado da Escola de Filosofia Portuguesa e na sequência do confronto entre as teses da “Leonardo” e da “Nova Águia” e que, então como agora, se mantém actual.



CARO PINHARANDA


Lemos com atenção e o respeito que nos merece, como um dos que pertence à geração dos mestres da filosofia portuguesa, o artigo que fez publicar na edição de «O Diabo» (em 8 de Julho), a propósito da «Nova Águia».

Os da "Leonardo" perpetuam e actualizam o ideário de Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoae e, por conseguinte, a tradição da «Renascença Portuguesa», assim como a Escola de Filosofia Portuguesa, especialmente o magistério de Álvaro Ribeiro, José Marinho e Orlando Vitorino. Efectivamente, na direcção da “Leonardo” reúnem-se discípulos ou companheiros directos destes três filósofos. Longe vão os tempos em que, no convívio tertuliar, nos sugeriu o título “Leonardo” para a revista de filosofia portuguesa que então, nos anos oitenta, fizemos publicar.

Como é do conhecimento do Pinharanda, a “Leonardo” tem, desde Janeiro 2007, uma edição electrónica (que pode ser lida em http://www.leonardo.com.pt – a revista saiu do “ar” no final de 2010 e em breve voltará a estar disponível online), expressão dos mais novos autores da Escola de Filosofia Portuguesa.

Na “Leonardo”, o aparecimento de uma revista intitulada «Nova Águia» mereceu a devida atenção, tendo sido feito o cotejo entre as teses da filosofia portuguesa e as teses expostas no manifesto daquela publicação. Alguns dos seus colaboradores, nomeadamente Francisco Moraes Sarmento, João Seabra Botelho, Miguel Bruno Duarte e Paulo Samuel já publicaram textos que se relacionam directamente com a «Nova Águia». Mas este tópico, naturalmente, está longe de ocupar lugar primacial na temática leonardina, que se expressa em muitos outros artigos, tanto daqueles como de outros autores, nomeadamente Nuno Cavaco, Eduardo Aroso, Cynthia Taveira, António Carlos Carvalho, Gastão Baptista, entre outros. E, em artigos de mais estrita matriz filosófica, a Leonardo afirma a equidistância da filosofia portuguesa face ao Estado, às igrejas, às universidades, às maçonarias, entre outras tubas da cultura oficial.

Habituados ao rigor intelectual e escolástico de Pinharanda Gomes, não podemos deixar de estranhar algumas afirmações que, na forma e no estilo, nos são de todo irreconhecíveis, na medida em que entre companheiros de viagem, de há longa data, se patenteia a mesma tradição filosófica e poética.

No artigo em causa, Pinharanda Gomes enuncia ideias ou teses que merecem a nossa atenção, como quem escuta activamente. E que também nos obrigam apor alguns comentários.

Os trechos em causa são os seguintes:

1) «A “Nova Águia” renova o património da “Renascença Portuguesa ”, que teve a revista “A Águia” (1910/1932) por órgão promocional.»

A «Nova Águia» não apresenta qualquer «sistema de princípios filosóficos e patrióticos, entre eles o do primado da educação para a República», finalidade que Pinharanda atribui a «A Águia» da «Renascença Portuguesa». Será fácil perceber se, como nós, os da Leonardo, cotejar o palavreado reunido em forma de Manifesto.

Este conjunto de frases feitas e lugares comuns não corresponde à tradição da Renascença Portuguesa. Por exemplo, não se faz referência à questão da «igreja nacional», nada se diz sobre a necessária extinção da universidade. Como pode então a «Nova Águia» efectivar, à luz de princípios filosóficos e patrióticos, o «primado da educação», tanto mais que muitos dos colaboradores da revista são prestigiados «profissionais da filosofia», lídimos funcionários da instituição que por longos decénios ostracizou e hostilizou a filosofia portuguesa, enquanto promovia e sustentava a genérica «cadeira» de «Filosofia em Portugal»? Eis algumas das razões que nos afastam da ideia segunda a qual a «Nova Águia» renova o património da «Renascença Portuguesa».

2) Aos pensadores oriundos dessa fonte (Renascença Portuguesa) «não foi concedido o acesso ao poder».

Estranha frase, vinda de quem sempre ouvimos dizer que a filosofia, ou se preferir, a arte de filosofar, é uma inutilidade, no sentido, acrescentamos nós, do reconhecimento social. Estranha frase para quem disse que o filósofo «fala só» e «anda direito». Ainda ressoam no nosso espírito as palavras do Pinharanda: «o verdadeiro filósofo anda direito, solitário, entre as gentes de quem é solidário. A sua virtude será também a sua condenação neste mundo. Mas o filósofo não é deste mundo».

Então, a que poder se refere? Para os homens de espírito o que mais importa são os princípios, quais sejam a Beleza, a Verdade e a Bondade, e se acaso emana algum “poder” desse modo de vida, não se destinará ele à «transformação da cidade, da nação e do mundo» como se lê no referido Manifesto.

Segundo a Escola de Filosofia Portuguesa, Portugal é uma Pátria (entidade espiritual e transcendente), uma Nação (que são as sucessivas gerações de Portugueses), uma República (coisa pública) e um Estado (efectivação do direito segundo a Verdade, a Liberdade e a Justiça), conceitos sistematizados por Orlando Vitorino, que lhes deu forma jurídica.

Mas claro que tudo isto nada tem a ver com o poder, esse poder a que se refere no seu artigo e que corrompe a arte de filosofar. E já agora: não será esse poder que motiva tão estranha congregação de figuras que ao jeito de suplicantes, integram os miríficos órgãos directivos da «Nova Águia»?

 

3) A «Nova Águia» propõe-se «continuar o projecto da “Renascença Portuguesa” e dos correlativos movimentos posteriores, com uma circular abertura ao pluralismo, nela cabendo todas as vozes que, para além dos sectarismos estéreis, e das corporações de interesses como são os Partidos, acreditem no renascimento do oprimido Portugal e na construção da comunidade lusófona, abrindo ao homem uma vida livre, consciente, solidária, plena e total.»

A «Nova Águia», pela forma que se apresenta, é, e não pode libertar-se disso, uma expressão da cultura oficial e universitária. E como o Pinharanda abona, nela cabem «para além de todos os sectarismos estéreis, e das corporações de interesses como são os Partidos», toda uma série de figuras que não só desconhecem o que seja o ideário da «Renascença Portuguesa» como ainda, desde sempre, procuram negar a existência da filosofia portuguesa, e por conseguinte da Pátria Portuguesa, através da calúnia, da inveja e da mais baixa retórica em prol da estranja. Nesse sentido, a «Nova Águia» prepara a traição dos intelectuais.

Basta lembrar, como exemplo, as rasteiras afirmações de Eduardo Lourenço, discípulo de António Sérgio e mestre de Miguel Real: «A concepção que Álvaro Ribeiro manifesta nesse ensaio [O Problema da Filosofia Portuguesa] tomando a filosofia como qualquer coisa que se aprende ou transmite tal e qual como a técnica de fazer o melhor parafuso, é simplesmente absurda. Fala em “adoptar um sistema filosófico “como quem diz usar uma certa marca de camisas ou água de colónia, em perfeita contradição com afirmações doutro género como esta: “São exactamente os pensadores mais audaciosos e livres aqueles que desviam a filosofia para zonas nunca exploradas “. (...) “Discute-se qual o sistema filosófico, entre os que na Europa mais benéfica influência exercem no pensamento contemporâneo, deva ser importado, adoptado e difundido no ambiente intelectual português”. Quem é que discute? Onde? Não se teria equivocado Álvaro Ribeiro, ouvindo falar em importação, de batatas da Dinamarca e automóveis de Detroit? Onde está essa U. N R. R. A. dos sistemas filosóficos?» Para um discípulo de Álvaro Ribeiro nada há a dizer? Será que sem a filosofia portuguesa existem Portugueses conscientes e livres?

Que distância poderá agora haver entre estes sarcasmos eduardinos de há trinta anos, típicos de um académico estrangeirado que, do alto do seu distante prestígio, retoma ao País para se assumir como farol da intelectualidade que concretizou o enfeudamento, politico e filosófico, de Portugal ao serôdio ideário positivista europeu, e a «Nova Águia» que, algures na inefável diversidade dos seus textos e autorias, vá lá entender-se por que caminhos ínvios e ocultas virtudes, apresenta Miguel Real, autor de «A Morte de Portugal», como o único ensaísta, ou filósofo, a merecer, no primeiro número da revista que, dizem, pretende renovar o ideário da «Renascença», uma recensão da Obra (exactamente, uma obra com «O» maiúsculo). A recensão é feita por um director da revista, que acompanha este autor desde que «estava a terminar a (...) Licenciatura em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, já preparando o Mestrado e o Doutoramento (...) na área do pensamento português contemporâneo». Com a mesma precisão com que geriu a sua voluntariosa ascensão pelos graus do curriculum universitário, este director traça o quadro onde ele, e possivelmente a revista que dirige, se orienta e movimenta. Nesse texto, começa por atribuir a Miguel Real (hoje, um dos directores da “Nova Águia”) a confirmação da possibilidade de uma «terceira via»: nem a via «académica» do desconhecimento altivo, que troça da filosofia portuguesa, nem a via anti-académica da contra-posição da tradição filosófica portuguesa a todas as outras. Real, o declarado discípulo do trocista Lourenço, é assim promovido a mentor da apaziguadora e abrangente «terceira via», de que parecem participar ou usufruir os que se revêem na «Nova Águia»!.

Entretanto, aos que se declarem discípulos de Álvaro Ribeiro e Orlando Vitorino, e que nessa «terceira via» não se revejam, o que estará reservado? Segundo o mesmo texto, parece que será assim: numa primeira fase, serão caricaturados como irrelevantes cultores de uma filosofia que se apresenta como «uma religião revelada», um «dogma». Depois, em fase posterior, a da usual bordoada sergina, serão epitetados de «sectários estéreis», uma vez que, a interesses corporativos não poderão ser arregimentados.

Também neste quadro estranhamos a aparente adesão de Pinharanda a esta «terceira via». Em si vemos o companheiro de numerosas iniciativas que foram decisivas para a fisionomia espiritual de uma Pátria que não se reconhece num qualquer libertino amesquinhar de religiões reveladas, ou na ignorância do que são dogmas.

De memória, referimos algumas dessas iniciativas:

— O «57», jornal do movimento da filosofia portuguesa.

— Conferências sobre o Ideal Português.

— A revista “Escola Formal” que propôs o liberalismo como «sistema natural da existência dos homens em sociedade».

— Campanha presidencial de 1986, dez meses de actividade intelectual e política durante a qual foram apresentadas propostas deduzidas dos princípios filosóficos, entre as quais um sistema para a economia, uma constituição política para Portugal e uma organização para o ensino que passava pela extinção da universidade pombalina.

Além destes aspectos que, repetimos, são referidos de memória, há as várias publicações de filosofia portuguesa, ciclos e debates, obras editadas, etc., que fazem da Escola de Filosofia Portuguesa um organon da Pátria com repercussões em todos os aspectos da vida geral dos Portugueses.

Poderíamos inventariar um sem número de iniciativas, sempre coerentes e actuais nos seus propósitos espirituais. Por conseguinte, não podemos concordar, e lemos com alguma incredulidade, a bizarra afirmação segundo a qual «desde 1932, ano de encerramento de “A Águia”, ao País não fora proposto um tão ciente e consciente documento programático de vida pátria.» Essa nossa incredulidade, Pinharanda, nasce ainda do que ficou dito, em palavras suas, a propósito de «A Exaltação da Filosofia Derrotada» de Orlando Vitorino: «Este livro só é comparável a “A Ideia de Deus” de Sampaio Bruno; só que, na sua conjuntura, o problema de Deus aparece figurado na ideia de Pátria para a qual O. Vitorino oferece uma Constituição. Nunca ninguém, com tanto amanho de terra arada, lavrou tão fundo, fazendo a arroteia de quanto importa: O jogo doméstico, o objectivo nacional, o interesse estatual, o ideal pátrio, o destino da liberdade humana em verdade. (...) Tudo aí está prometido ao futuro.»

Terminamos, evocando Álvaro Ribeiro, nosso Mestre comum, segundo o qual, fora do convívio tertuliar, os discípulos poderão sempre interrogar os mestres quando assumem posições públicas,

Um abraço dos seus companheiros de viajem.

A Direcção

Leonardo, revista de filosofia portuguesa
 

 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Conversa descontraída

Conversa descontraída entre João Botelho, Manuel Bernardes, Francisco Moraes Sarmento e Pedro Teixeira da Mota realizada a 7 de Agosto de 2013. A relegião, a ideia de Deus, a razão e o misticismo, a palavra e o ideal amoroso foram alguns dos temas abordados

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A Grande Porca

A famosa caricatura que Bordallo Pinheiro intitulou “Política: a grande porca” continua a ilustrar com propriedade e razão a forma como a plutocracia se perpetua no Estado. Ficámos a saber, através do programa “Olhos nos Olhos” da TVI de hoje, que no domínio da “desorçamentação” estatal existem mais de três mil entidades que, não integrando o Estado, vivem à custa do Orçamento Geral, ou seja, à custa de todos nós. A “desormentação” é entendida com as despesas públicas não obedecem às regras do OGE e servem para alimentar a classe política e as clientelas partidárias. Estes financiamentos públicos decorrem sem a transparência, a justiça e a prudência que devem orientar a gestão da coisa pública.

Os números divulgados de entidades que “mamam na teta da porca” são os seguintes: 356 institutos públicos; 639 fundações; 485 associações sem fins lucrativos; 1182 entidades do sector público e empresarial do Estado; 343 empresas municipais e regionais. Só para se ter uma ideia do "peso" destas despesas, só as relativas às PPP´s vão representar mais de 1% do PIB nos próximos anos.

Para além dos casos em que se pode decidir por não subsidiar (por exemplo, as associações sem fins lucrativos e fundações) ou extinguir (empresas municipais será um dos casos), o Estado deve alterar os contratos das Parceiras Público-Privadas e outros. Na verdade, o Código Cilvil prevê que a alteração das circunstâncias (art.º 437.º do CC, salvo erro) posteriores à celebração do contrato e o Estado dispõe de meios para influenciar os seus parceiros numa resolução ganhadora para todos.

A “distribuição de sacrifícios” tão badalada pelos nossos governantes e políticos teria outro significado.

sábado, 14 de setembro de 2013

O lugar dos solitários

A Escola de Filosofia Portuguesa é o lugar de solitários, disse o autor deste texto na conferência «Filosofia Portuguesa hoje» que decorreu na Biblioteca Municipal de Sesimbra no dia 24 de Novembro (2007). O orador suspeitava que as suas palavras o deixariam ainda mais solitário. Assim foi: ao silêncio sobre as interrogações a propósito da nova geração da filosofia portuguesa sobreveio o argumento ad hominem, num estilo pouco comum no debate de ideias. Hoje, o autor dedica as suas palavras a Álvaro Ribeiro e Orlando Vitorino.

 
«O tolo é como préstito infindável
De fantasmas e deuses.
Lá vai êle,
No sítio mais exposto aos inimigos. 
É a labareda efémera, afrontando
A eterna escuridão, o eterno frio.»

Teixeira de Pascoaes

Convoca à oração alguém que, sublinha o poeta, não merece resposta de animais, entre os quais jumentos, nem de ecos fantásticos. Porque o tolo nada diz ou sabe dizer e, se acaso, dos presentes alguma compreensão há, vantagem levam sobre quem, vivendo na eterna idiotia, sentado na ponte, ignora e não compreende. Tendes pois, perante vós, um tolo de oratória rarefeita que, não obstante desconfiar que as palavras têm peso, conta e medida, tem por certo que nada Vos dirá. Em boa verdade, são palavras sem hipótese de eco no Firmamento e os mais atentos sabem, que não passam de sons pouco razoados e imperceptíveis.Nesta solidão pasmada, e a Escola da Filosofia Portuguesa é o lugar de solitários, dirijo-me a Vós na perfeita convicção da minha idiotia e com a certeza que as palavras se dissolvem no silêncio, talvez ensurdecedor, e me deixarão ainda mais solitário.

Pensar tudo desde o princípio, ou para a ele volver, sem grilhetas, eis o que importa. No espanto, não cabe cultura, religião ou história. A liberdade é heterodoxa ou não é.Ah! Que temor causa o radical princípio de identidade! Sem ele não se nomeia, predica ou atribui. A ortodoxia dos princípios é coisa de idiota. Estranho destino da virilidade da arte de pensar que não se envolve nos enredos das coisas demoníacas.A beleza, a verdade e a bondade, são os princípios da filosofia que o tolo contempla, alheio aos que procuram retirar-lhes a primazia na arte de pensar e negá-los segundo valores morais, religiosos e sociais. Dói-lhe a ilusão do espírito! A decadência do pensamento, triste fim!, pressente-se nos que deturpam o preceito ético da interrogação, na pergunta de exigência probatória. Em redor, versões dos mesmos quadros mentais, imitações do mesmo espírito maligno, degladiam-se ou fingem fazê-lo para proveito dos inocentes, caricaturas ou esboços de almas, conforme o poeta e o filósofo. O tolo interroga-se sobre o paradeiro dos homens libertos, dos quais apenas tem a obscura, a indecisa e a difusa impressão.Os mais antigos afirmam o primado da filosofia sobre os outros modos de saber, e a necessidade de saber mostrar, ou seja, de fazer ciência. O que se mostra são ideias, conceitos e teses. E ele, tolo desde sempre, procura um lugar no mundo, talvez porque ainda não seja quem cisma na ponte. O método é a íntima e inviolável demanda através dos seres e das coisas, da inferência que evidencia o universal.O que temos? Uma filosofia portuguesa, imagem da Pátria, que uns tantos convenientemente classificam como filosofia nacional, para a deturpar, quiçá negar, sob forma socialista, o nacionalismo, ao jeito dos anti-patriotas; os que confundem a morte dos filósofos com a morte do pensamento e esquecem a memória presente, actual ou actuante, e sobretudo, o carácter principial do pensamento, através do qual, os filósofos se reconhecem desde o princípio do mundo.O tolo canta almas penadas e, acreditem, bem tenta enunciar a tese, segundo a qual, a filosofia portuguesa é uma escola, um escol, um sistema; nos seus cantos, a alegria suicida-se e bem adverte que não basta haver escritores, mais ou menos dotados, mais ou menos poéticos ou religiosos, metafísicos ou místicos, ocultistas ou esotéricos, para que se firme a filosofia portuguesa.O tolo exalta-se e grita: «Creio em Deus! E creio na alma eterna!» E cisma! Cisma na eternidade do mundo que, por momentos, se deduz do pensamento que penetra a realidade e acorda a existência.

O tolo observa que, em seu redor, se fala mais de Deus do que do Espírito, palavra arredada da conversa, como que a indiciar que mais importa a religião do que a filosofia, a prova de amor do que o amor gratuito, a consciência gregária do que o princípio de individuação.Um dos que sabem, diz que a filosofia é órgão de liberdade; outro, sublinha que a liberdade é a própria actividade do espírito; finalmente, um terceiro, retira a conclusão e afirma que o liberalismo, que se deduz da filosofia portuguesa, é o modo natural do homem viver em sociedade. O sistema da liberdade é o hábito do homem. O liberto depende da posição de saber que almeja.Ainda falecem protestos na alma do tolo: fascista! Reaccionário! Extrema-direita!. O que diz um tolo? O que sabe ele sobre isso? Nada! É um princípio passível de direita ou esquerda? De nada depende o princípio e tudo a ele se ordena.O Tolo nada tem ou possui, muito menos a liberdade, o pensamento ou o saber. Mesmo o que se determina em liberdade, no fugaz instante, cristaliza-se na memória originária e inédita que se desoculta pela finalidade. A liberdade não é origem da necessidade, devaneia. Sussurra-lhe o poeta: «amas a realidade, porque, enfim, vês a substância eterna que se eleva, cá fora, em claras formas». Na ponte, onde ainda remotamente se senta, o tolo espanta-se com a razão animada que é. Corpo, alma e espírito, sublime tríade que potencia o animal racional ao logaritmo da propriedade. No deslumbre, por vezes perplexo ou delirante, no assombro do relâmpago, o idiota ama a inteira humanidade num só abraço.As vestes da aparição são ainda teoremas, desenho da adivinha. O tolo enuncia palavras que revelam a mais séria nudez e cumprem a promessa do pensamento sófico. O corpo de Sofia é já só Verbo amoroso, que se descobre é imaginação e alimenta o desejo. Por fim, devassa o céu para, no infinito, sondar a imperfeita capela da sua alma. A língua é a gramática da Pátria e sem filologia não há filosofia, para lembrar a esquecida tese que relaciona o teorema da cabala a as categorias aristotélicas. A boa nova é o anúncio de uma filologia, não já de gregos ou romanos, mas portuguesa! ponto sólido do sistema, escol ou Escola da Filosofia Portuguesa.A iniciação, autognósica, far-se-á segundo a idealidade da escola formal. Tudo o resto é obstáculo ao movimento que vai da alma ao espírito. E há ainda os que apenas ficam na sombra e discutem o obstáculo, sem desconfiarem que a sombra é ausência de luz. O espírito não se licencia, nem carece de autorização de seita, associação, sociedade ou ordem. A tradição é a palavra, acto de razão, e todos a ela têm acesso. Tudo o que há a saber pode-se saber e a todos é dado. A inteligência determina o grau de saber, visão ou teoria.O poeta lembra-lhe, por vezes, que se acende uma discreta claridade, mas o tolo vê o desmaio da luz, na branca sombra do esquecimento. Mais uma vez, o tolo é arrebatado pelo capricho delirante: sendo o movimento filosófico e poético que mais revistas originou na nossa cultura, porque se reduz a filosofia portuguesa a três (Águia, 57 e Teoremas de Filosofia), das quais só as duas primeiras desenvolveram teses e retiraram a consequente idealidade para a Pátria (e portanto, foram órgãos de filosofia)? Porque é que os filósofos que maior rigor e precisão imprimiram, ao pensamento e á expressão filosófica na língua portuguesa, sofrem a pena do silêncio, ao jeito de assassínio? Porque se pretende afirmar que a Escola de Filosofia Portuguesa não foi capaz de ter dado origem a 57 obras de filosofia, mas diversamente, a livros de história, religião, simbologia, poesia, esoterismo, divulgação cultural ou teses universitárias? Porque se esquece um filósofo que desenvolveu, durante dez meses, uma campanha presidencial, fez propostas concretas para a educação, a política e a economia e que, por fim, concebeu um curso de filosofia portuguesa? Porque se procura diminuir a Escola de Filosofia Portuguesa a uma tradição de escritores? Porque se continua a ignorar o carácter peripatético da Escola da Filosofia Portuguesa, e o seu livre magistério de pessoa a pessoa, mesmo por aqueles que se dizem iniciados por ela? Porque é que a nova geração da filosofia portuguesa é incapaz ou se recusa a ser a afirmação libertária do pensamento e da arte de pensar? Que espécie de compromissos procuram obstar à afirmação positiva e responsável das teses do sistema da filosofia portuguesa?

O Tolo inquieta-se e gostaria de verter as interrogações em perguntas, mas não é ainda ele que se senta na ponte, a cismar. É silhueta, ou como prefere o poeta, uma lembrança do passado. A mentira tem morada.Termino este desabafo confidente com as palavras errantes do pateta Pascaoes.

«O pobre tolo nada vê, por fim,
Nas trevas que o dominam»

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Serões Conimbricenses: a descoberta

O Ivo é uma personagem. Afirmá-lo não é negar a sua existência ou realidade. Aos da sociologia diria que come, dorme e ama, vive como qualquer um. Mas o que fascina é a sua personalidade.

 
É uma alma dorida e o sofrimento a que se expõe é-lhe imposto por um acto de sageza inteligente. Em tempos, reconheceu a sua inquietação nos escritores da escola francesa e no existencialismo francês e alemão. A via literária mostrou-lhe a inevitabilidade do ideal pátrio. E com ele, os filósofos portugueses. É uma ave nocturna e a claridade matinal, límpida e ainda inocente, fere-lhe o rosto e ofusca-lhe a visão.


Nos anos de juventude, o Ricardo frequentava a biblioteca do Ivo, primeiro, fascinado pelas personagens das histórias aos quadradinhos; depois, as lombadas dos livros foram motivo de curiosidade e, mais tarde, de interesse e entusiasmo. Aos poucos, os autores portugueses despertaram-lhe a imaginação. Fantasmas, anjos ou demónio, emergiam de nenhures, incomodavam a alma e inquietavam o espírito. Nunca mais encontrou sossego e, desde então, trilhou o destino dos solitários. O cheiro a papel velho tornara-se familiar e até indispensável ao correr dos dias. Por vezes adormecia, na pequena cama posta no lugar esconso do sótão. Ocasiões houve em que se esquecia do tempo, do cansaço e da fome. Sabia dos convívios nocturnos, mas o tempo de serão era sagrado.

 
Ali, só acediam, para além do Ivo, com os seus deuses e demónios, o João, o Leandro e o Pedro. Os serões decorriam na cozinha em redor de uma velha mesa de madeira pintada a branco e um tampo de mármore comum, que se convertia com os rituais da noite num altar de iniciação.

Durante as suas deambulações pelo sótão, uma cadeira de madeira e cabedal gravado com duas iniciais chamou-lhe a atenção: não estava coberta de pó e primava pela ausência de teias de aranha. O lugar e a posição pareciam intencionais. Ao aproximar-se a vista deteve-se numa frecha que se abria numa velha tábua. À medida que se acercava reconheceu as vozes que se esgueiravam pelo buraco. À espreita, conseguia apreciar o que supunha tão secreto e misterioso.

 
Na mesa, copos, pão, vinho, presunto, enchidos diversos, degustados ao ritmo da conversa e sem pressa pela noite dentro. Aqui e ali, bancos de madeira, também pintados a branco, eram utilizados e dispostos de acordo com o entusiasmo dos diálogos. A janela entreaberta permitia a circulação de ar, frio e cortante, que espantava o fumo que teimava em adensar o ambiente. Por vezes, um gato preto e peludo aninhava-se no parapeito. Conhecedor dos hábitos dos serões, o bicho ali ficava a jeito do ar mais quente. Teimoso observava até cerrar os olhos. As suas orelhas vigiavam os movimentos dos convivas e as tonalidades vocais.


A paciência do animal é sempre recompensada! No dealbar da noite, quando a aurora já se adivinha, sempre era presenteado com as sobras da noite. Chamava-se “Tareco”, soube mais tarde.

Numa dessas escutas, ouviu ao Pedro dizer algo que captou a atenção. Chegou de livro em punho e dirigiu-se ao anfitrião: “Oh Ivo!, trago um livro que descreve uma personagem muito semelhante ao que és ou procuras ser.” E leu para todos, um trecho da Criação do Mundo de Miguel Torga. “Uma personagem? Igual ao Ivo?” Perguntava-se a si próprio, a desejar que a leitura terminasse.

 
Depressa demandou o livro na biblioteca. “Poesia... Camões, Junqueiro, Pascoaes, Pessoa, Almada...Torga, por fim!” dizia, enquanto o dedo acompanhava à presa o percurso ansioso dos olhos nas lombadas. Lá estavam todos os volumes da Criação do Mundo!

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Como a intervenção do Estado empobreceu os portugueses

Medina Carreira, no programa "Olhos nos Olhos" da TVI24 (9 de Setembro), mostrou como a intervenção do Estado levou ao empobrecimento dos portugueses. Nos gráficos de divulgou prova que para tudo ficar na mesma, a economia teria de crescer mais de 8% em três anos ou cerca de 3% em seis anos. Sobre este aspecto, realçou uma questão que os políticos do PSD, PS e CDS teimam em esquecer: assinaram um memorando com a Troika que pretende resolver o problema do Estado em três anos, impondo duros sacrifícios aos que trabalham e produzem. Outra solução resulta de um violento corte nas despesas do Estado, nomeadamente no sector social e na administração pública, aliás previsto não em toda a dimensão necessária no referido memorando. A evolução negativa da despesa pública tem vindo a crescer, pelo menos desde 1990, com destaque para os anos em que se registam eleições nacionais. Para sustentar a situação, a captação de receitas apresenta-se como a solução óbvia da classe política que domina e perpétua no aparelho do Estado. Acontece, porém, como também mostra Medina Carreira, que esse caminho está próximo da estagnação e constitui uma forma de transformar os portugueses no povo de escravos e suplicantes, uma vez que o dinheiro é um instrumento de liberdade e o imposto emerge como censura e obstáculo à sua expressão.

Já em 1986, nós, os da Escola da Filosofia Portuguesa, durante a campanha presidencial do filósofo Orlando Vitorino, alertávamos para o embuste do Estado quanto à promessa da segurança social e à intervenção estatal nos diversos domínios da vida dos portugueses. Propusemos, e continuamos a defender, o fim desta servidão humana. O Estado só deveria criar impostos indirectos, assim como acabar com os impostos progressivos (que nos últimos tempos evidenciaram a sua natureza violenta: um esbulho). Desta forma, a intervenção do Estado ficaria deveras limitada e, todos nós, controlaríamos melhor a actuação dos governos. Os impostos directos passariam a ser criados para atender a situações especiais e de emergência, sendo aprovados pela Assembleia da República. Quanto à providência estatal deveria ser substituída por sistemas privados ou outras alternativas sem as finalidades ideológicas associadas ao intervencionismo. A sociedade tornar-se-á mais justa para os esforços individuais e promotora da prosperidade geral ao devolver os instrumentos que possibilitem às pessoas realizarem a sua liberdade e felicidade.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Miguel Torga e a casa da minha Avó

Miguel Torga "apanhado" pelo fotógrafo a sair de casa da minha Avó, na praceta Fernando Pessoa, de quem era vizinho. Muitos tomam esta moradia como a Casa-Museu. Trata-se de uma das raras imagens em que o poeta esboça um sorriso e, por via disso, é tida muitas vezes como foto "oficial". Adivinhem quem é o miúdo que se esconde e espreita na porta? Saber mais

sábado, 7 de setembro de 2013

Serões Conimbricenses: noite de espera

O acaso levou-me a esperar o Ivo no fundo da escadaria da Igreja dedicada a Santo António. Já a noite tinha caído sobre o mundo e o sino lembrou  aos incautos que o Espírito passa por ali. Os ponteiros da torre marcam dezanove horas.

Para muitos, a escadaria é a própria existência. As cenas da vida de Cristo que a ladeiam pontuam os patamares, ou os estados de espírito, até à entrada do Templo. Não recordo a última vez que ali estive, mas também não importa. A lembrança é a do funeral do meu Avô e o peso terrível do caixão sobre os meus ombros.

Já envolto no estranho esquecimento do mundo, a presença do Anjo é mais forte do que nunca. Posto assim fui levado a subir os degraus e a assistir ao final da missa. A reza é a de um profundo pecador, sem direito ao chão sagrado. Não sou arrependido, nem peço perdão. A oração é dirigida e desejo até às lágrimas comunicar com o ser celestial. Evoco todos os entes dos mundos divinos. E os mortos também.

A reza envolve-me de forma pública, inédita e arrebatadora. Por instantes sou inconveniente, egoísta e herege. Tento chegar à intimidade e, quanto mais insisto, mais parece longínquo. Por vezes, a saudade do Anjo é intensa e tão criativa que excede tudo o que sou. Nem sei porque escrevo. Por esta altura, tudo parece sem sentido e um imenso disparate.

Depois, sinto o frio e húmido véu nocturno. São dezanove horas e quinze minutos e o Ivo aproxima-se. Abracei-o comovido mas sem oportunidade de falar do Anjo e da sua impressionante presença. Um dia, converso sobre o feitiço da minha alma. O Ivo é o único que, porventura, compreenderá o frenesim louco e vadio das minhas palavras.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

"Portugal, Razão e Mistério" de António Quadros: terceiro volume

A propósito das homenagens a António Quadros surgiram alguns comentários a propósito do terceiro volume da obra “Portugal, Razão e Mistério”. António Braz Teixeira afirma que o filósofo lhe terá confidenciado já ter escrito cerca de duzentas páginas desse volume, manuscrito que ainda não foi encontrado no espólio da Fundação António Quadros.

Esse volume foi anunciado na “Leonardo, revista de filosofia portuguesa”, fundada e dirigida pelo autor destas linhas, num artigo intitulado “O mundo a fazer e como fazê-lo, segundo Leonardo Coimbra e os seus discípulos”, escrito a propósito de um comentário meu publicado no jornal “O Dia” se a memória não falha. Neste texto afirmava que “é legítimo esperar que no terceiro volume da sua obra (Portugal, Razão e Mistério), António Quadros diga como é que a filosofia portuguesa é a realização do Quinto Império”.

No artigo publicado na "Leonardo", António Quadros sublinhou que aquela esperança deixaria de ser uma hipótese “se o autor de Portugal Razão e Mistério tiver capacidade ideativa para o confirmar, ou seja, se o último volume desta obra, provavelmente intitulado Filosofia Portuguesa e Razão Teleológica conseguir ser, não uma conclusão aleatória, mas a conclusão necessária”.

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A revista "Ensaio" e António Quadros


Certa vez, no gabinete de Orlando Vitorino na Fundação Gulbenkian, onde era funcionário do serviço de “Bibliotecas Itinerantes”, conversávamos sobre a nova revista que pretendia editar, a “Ensaio – folha de cultura e opinião”, a meio de 1980. Orlando era com Henrique Barrilaro Ruas, presenças sempre constantes nas minhas publicações, mesmo as do tempo da inocência (por exemplo, o “Acção” da qual saiu um único número, ainda impresso a stencil).

O sexto andar (?) do edifício em frente à Fundação, na Av. de Berna, era um local de encontro de intelectuais. O serviço foi criado por Branquinho da Fonseca em 1958, tendo tido como directores António Quadros, David Mourão Ferreira, Vergílio Ferreira e contava com a colaboração de numerosos intelectuais que comentavam os livros ou participavam nas diversas iniciativas das Bibliotecas. Na minha juventude, passava muito do meu tempo com Orlando Vitorino, algum dele naquele serviço. Por vezes, combinávamos um encontro e, por alguma razão, Orlando não aparecia. Lá ficava no seu gabinete enroscado no sofá com o Sol a bater e adormecia. Por vezes, esqueciam-se de mim no interior do edifício.

Volvendo à “Ensaio”, estávamos a fazer a lista de colaboradores numa tarde em que a porta do gabinete estava aberta (aliás, era frequente). De repente, à sua passagem, Orlando exclamou: “António!”. E lá entrou o António Quadros causando algum temor a um adolescente que já conhecia a sua obra. Afinal, era um dos “sagrados“ do pensamento português. “Vais escrever um artigo a “Ensaio”, revista que o Moraes Sarmento vai publicar!”, atirou Orlando, logo depois dos cumprimentos. Prestes, Quadros concordou e revelou logo o tema: um excerto do livro do sebastianismo que acabaria de ser publicado mais tarde sob o título “Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista” pela Guimarães Editores em 1982, quase dois anos depois.

Nervoso e apreensivo telefonei ao meu Tio Leandro, familiar que, desde novo, me fez interessar pelas lides espirituais e na biblioteca de quem desassosseguei a alma para sempre. À novidade que também apanhou de surpresa o Leandro colocava-se um problema: com António Quadros, a revista não poderia ser publicado de forma rudimentar. O stencil tinha ficado fora de questão. Restava a impressão em gráfica. E foi assim que a “Ensaio” ganhou forma, com as minhas poupanças destinadas religiosamente para obter a carta de condução e apoio de alguns amigos. Tratou-se de um passo decisivo para o posicionamento que a revista veio a ter nos círculos intelectuais e para o meu envolvimento, cada vez mais profundo, com a Escola de Filosofia Portuguesa. O convívio e até a cumplicidade com António Quadros durou até ao seu falecimento em tertúlias e iniciativas culturais.

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"Webnotas_da sociedade de informação ao novo estilo de vida"

«Webnotas_da sociedade de informação ao novo estilo de vida» de Francisco Moraes Sarmento é um livro no qual se aborda o impacto das tecnologias na vida pessoal, familiar e profissional. A internet é um instrumento de liberdade é tese sempre presente nos quatro capítulos da obra: liberdade e tecnologia, visão e estratégia, informação e comunicação e aplicações em rede.

A liberdade de expressão deixou de ser um mito das sociedades modernas e os indivíduos dispõem de um meio que lhes permite exprimir socialmente a sua mais pura subjectividade sem censura moral ou política. No livro defende-se ainda que a censura tem implicações no desenvolvimento económico dos países, para além de a liberdade ser um factor do contexto externo e interno das organizações. Um aspecto pouco atendido por gestores e políticos.

O «Webnotas» começou a ser escrito em 1999 no «Diário de Notícias», como coluna de opinião, passando depois a ser publicado em outros órgãos de comunicação social portugueses. O prefácio é assinado por João Seabra Botelho que acentua o carácter filosófico e oportuno da obra perante um mundo que tem dificuldades em lidar com os novas formas de expressão dos individuos, das populações e dos povos.

Para adquirir a versão digital (em PDF) basta fazer uma transferência de 5 euros para a seguinte conta:

Banco: MillenniumBCP
Titular: Francisco Manuel Bruno C B Sarmento
Para transferências nacionais: NIB     0033 0000 45358924952 05
Para transferências internacionais: IBAN   PT50 0033 0000 4535 8924 9520 5
Deverá enviar comprovativo da transferência para o e-mail francisco_m_sarmento@hotmail.com
Após confirmação da transferência o ficheiro PDF é enviado para o remetente

Se pretender fazer o pagamento através do Paypal deverá enviar um e-mail para francisco_m_sarmento@hotmail.com

Em defesa dos livros escolares digitais

Pelo menos desde 2003 defendo que os livros escolares obrigatórios devem ser disponibilizados em versão digital a preços mais baixos. Uma das razões é esta: as familias portuguesas não têm qualquer poder negocial perante a imposição estatal na educação dos seus filhos. A intervenção do Estado apenas defende os interesses dos grandes grupos editoriais que fazem do início do ano escolar uma "época alta" para a venda dos produtos que os consumidores são obrigado a adquirir. Não há escolha.
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