quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A revista "Ensaio" e António Quadros


Certa vez, no gabinete de Orlando Vitorino na Fundação Gulbenkian, onde era funcionário do serviço de “Bibliotecas Itinerantes”, conversávamos sobre a nova revista que pretendia editar, a “Ensaio – folha de cultura e opinião”, a meio de 1980. Orlando era com Henrique Barrilaro Ruas, presenças sempre constantes nas minhas publicações, mesmo as do tempo da inocência (por exemplo, o “Acção” da qual saiu um único número, ainda impresso a stencil).

O sexto andar (?) do edifício em frente à Fundação, na Av. de Berna, era um local de encontro de intelectuais. O serviço foi criado por Branquinho da Fonseca em 1958, tendo tido como directores António Quadros, David Mourão Ferreira, Vergílio Ferreira e contava com a colaboração de numerosos intelectuais que comentavam os livros ou participavam nas diversas iniciativas das Bibliotecas. Na minha juventude, passava muito do meu tempo com Orlando Vitorino, algum dele naquele serviço. Por vezes, combinávamos um encontro e, por alguma razão, Orlando não aparecia. Lá ficava no seu gabinete enroscado no sofá com o Sol a bater e adormecia. Por vezes, esqueciam-se de mim no interior do edifício.

Volvendo à “Ensaio”, estávamos a fazer a lista de colaboradores numa tarde em que a porta do gabinete estava aberta (aliás, era frequente). De repente, à sua passagem, Orlando exclamou: “António!”. E lá entrou o António Quadros causando algum temor a um adolescente que já conhecia a sua obra. Afinal, era um dos “sagrados“ do pensamento português. “Vais escrever um artigo a “Ensaio”, revista que o Moraes Sarmento vai publicar!”, atirou Orlando, logo depois dos cumprimentos. Prestes, Quadros concordou e revelou logo o tema: um excerto do livro do sebastianismo que acabaria de ser publicado mais tarde sob o título “Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista” pela Guimarães Editores em 1982, quase dois anos depois.

Nervoso e apreensivo telefonei ao meu Tio Leandro, familiar que, desde novo, me fez interessar pelas lides espirituais e na biblioteca de quem desassosseguei a alma para sempre. À novidade que também apanhou de surpresa o Leandro colocava-se um problema: com António Quadros, a revista não poderia ser publicado de forma rudimentar. O stencil tinha ficado fora de questão. Restava a impressão em gráfica. E foi assim que a “Ensaio” ganhou forma, com as minhas poupanças destinadas religiosamente para obter a carta de condução e apoio de alguns amigos. Tratou-se de um passo decisivo para o posicionamento que a revista veio a ter nos círculos intelectuais e para o meu envolvimento, cada vez mais profundo, com a Escola de Filosofia Portuguesa. O convívio e até a cumplicidade com António Quadros durou até ao seu falecimento em tertúlias e iniciativas culturais.

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