sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Carta Aberta a Pinharanda Gomes: «Nova Águia» prepara a traição dos intelectuais


Com a aproximação do décimo aniversário sobre o falecimento do filósofo Orlando Vitorino (1922-2003) assistem-se diversas tentativas de absorção da sua obra pelos universitários, reunidos na revista "Nova Águia", com o beneplácito de Pinharanda Gomes e António Brás Teixeira, antigos discípulos de Álvaro Ribeiro e companheiros de viagem.  Nós, os da “Leonardo” , escrevemos já em 2008, uma carta aberta  a Pinharanda Gomes a propósito de um artigo seu publicado n "O Diabo" sobre o legado da Escola de Filosofia Portuguesa e na sequência do confronto entre as teses da “Leonardo” e da “Nova Águia” e que, então como agora, se mantém actual.



CARO PINHARANDA


Lemos com atenção e o respeito que nos merece, como um dos que pertence à geração dos mestres da filosofia portuguesa, o artigo que fez publicar na edição de «O Diabo» (em 8 de Julho), a propósito da «Nova Águia».

Os da "Leonardo" perpetuam e actualizam o ideário de Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoae e, por conseguinte, a tradição da «Renascença Portuguesa», assim como a Escola de Filosofia Portuguesa, especialmente o magistério de Álvaro Ribeiro, José Marinho e Orlando Vitorino. Efectivamente, na direcção da “Leonardo” reúnem-se discípulos ou companheiros directos destes três filósofos. Longe vão os tempos em que, no convívio tertuliar, nos sugeriu o título “Leonardo” para a revista de filosofia portuguesa que então, nos anos oitenta, fizemos publicar.

Como é do conhecimento do Pinharanda, a “Leonardo” tem, desde Janeiro 2007, uma edição electrónica (que pode ser lida em http://www.leonardo.com.pt – a revista saiu do “ar” no final de 2010 e em breve voltará a estar disponível online), expressão dos mais novos autores da Escola de Filosofia Portuguesa.

Na “Leonardo”, o aparecimento de uma revista intitulada «Nova Águia» mereceu a devida atenção, tendo sido feito o cotejo entre as teses da filosofia portuguesa e as teses expostas no manifesto daquela publicação. Alguns dos seus colaboradores, nomeadamente Francisco Moraes Sarmento, João Seabra Botelho, Miguel Bruno Duarte e Paulo Samuel já publicaram textos que se relacionam directamente com a «Nova Águia». Mas este tópico, naturalmente, está longe de ocupar lugar primacial na temática leonardina, que se expressa em muitos outros artigos, tanto daqueles como de outros autores, nomeadamente Nuno Cavaco, Eduardo Aroso, Cynthia Taveira, António Carlos Carvalho, Gastão Baptista, entre outros. E, em artigos de mais estrita matriz filosófica, a Leonardo afirma a equidistância da filosofia portuguesa face ao Estado, às igrejas, às universidades, às maçonarias, entre outras tubas da cultura oficial.

Habituados ao rigor intelectual e escolástico de Pinharanda Gomes, não podemos deixar de estranhar algumas afirmações que, na forma e no estilo, nos são de todo irreconhecíveis, na medida em que entre companheiros de viagem, de há longa data, se patenteia a mesma tradição filosófica e poética.

No artigo em causa, Pinharanda Gomes enuncia ideias ou teses que merecem a nossa atenção, como quem escuta activamente. E que também nos obrigam apor alguns comentários.

Os trechos em causa são os seguintes:

1) «A “Nova Águia” renova o património da “Renascença Portuguesa ”, que teve a revista “A Águia” (1910/1932) por órgão promocional.»

A «Nova Águia» não apresenta qualquer «sistema de princípios filosóficos e patrióticos, entre eles o do primado da educação para a República», finalidade que Pinharanda atribui a «A Águia» da «Renascença Portuguesa». Será fácil perceber se, como nós, os da Leonardo, cotejar o palavreado reunido em forma de Manifesto.

Este conjunto de frases feitas e lugares comuns não corresponde à tradição da Renascença Portuguesa. Por exemplo, não se faz referência à questão da «igreja nacional», nada se diz sobre a necessária extinção da universidade. Como pode então a «Nova Águia» efectivar, à luz de princípios filosóficos e patrióticos, o «primado da educação», tanto mais que muitos dos colaboradores da revista são prestigiados «profissionais da filosofia», lídimos funcionários da instituição que por longos decénios ostracizou e hostilizou a filosofia portuguesa, enquanto promovia e sustentava a genérica «cadeira» de «Filosofia em Portugal»? Eis algumas das razões que nos afastam da ideia segunda a qual a «Nova Águia» renova o património da «Renascença Portuguesa».

2) Aos pensadores oriundos dessa fonte (Renascença Portuguesa) «não foi concedido o acesso ao poder».

Estranha frase, vinda de quem sempre ouvimos dizer que a filosofia, ou se preferir, a arte de filosofar, é uma inutilidade, no sentido, acrescentamos nós, do reconhecimento social. Estranha frase para quem disse que o filósofo «fala só» e «anda direito». Ainda ressoam no nosso espírito as palavras do Pinharanda: «o verdadeiro filósofo anda direito, solitário, entre as gentes de quem é solidário. A sua virtude será também a sua condenação neste mundo. Mas o filósofo não é deste mundo».

Então, a que poder se refere? Para os homens de espírito o que mais importa são os princípios, quais sejam a Beleza, a Verdade e a Bondade, e se acaso emana algum “poder” desse modo de vida, não se destinará ele à «transformação da cidade, da nação e do mundo» como se lê no referido Manifesto.

Segundo a Escola de Filosofia Portuguesa, Portugal é uma Pátria (entidade espiritual e transcendente), uma Nação (que são as sucessivas gerações de Portugueses), uma República (coisa pública) e um Estado (efectivação do direito segundo a Verdade, a Liberdade e a Justiça), conceitos sistematizados por Orlando Vitorino, que lhes deu forma jurídica.

Mas claro que tudo isto nada tem a ver com o poder, esse poder a que se refere no seu artigo e que corrompe a arte de filosofar. E já agora: não será esse poder que motiva tão estranha congregação de figuras que ao jeito de suplicantes, integram os miríficos órgãos directivos da «Nova Águia»?

 

3) A «Nova Águia» propõe-se «continuar o projecto da “Renascença Portuguesa” e dos correlativos movimentos posteriores, com uma circular abertura ao pluralismo, nela cabendo todas as vozes que, para além dos sectarismos estéreis, e das corporações de interesses como são os Partidos, acreditem no renascimento do oprimido Portugal e na construção da comunidade lusófona, abrindo ao homem uma vida livre, consciente, solidária, plena e total.»

A «Nova Águia», pela forma que se apresenta, é, e não pode libertar-se disso, uma expressão da cultura oficial e universitária. E como o Pinharanda abona, nela cabem «para além de todos os sectarismos estéreis, e das corporações de interesses como são os Partidos», toda uma série de figuras que não só desconhecem o que seja o ideário da «Renascença Portuguesa» como ainda, desde sempre, procuram negar a existência da filosofia portuguesa, e por conseguinte da Pátria Portuguesa, através da calúnia, da inveja e da mais baixa retórica em prol da estranja. Nesse sentido, a «Nova Águia» prepara a traição dos intelectuais.

Basta lembrar, como exemplo, as rasteiras afirmações de Eduardo Lourenço, discípulo de António Sérgio e mestre de Miguel Real: «A concepção que Álvaro Ribeiro manifesta nesse ensaio [O Problema da Filosofia Portuguesa] tomando a filosofia como qualquer coisa que se aprende ou transmite tal e qual como a técnica de fazer o melhor parafuso, é simplesmente absurda. Fala em “adoptar um sistema filosófico “como quem diz usar uma certa marca de camisas ou água de colónia, em perfeita contradição com afirmações doutro género como esta: “São exactamente os pensadores mais audaciosos e livres aqueles que desviam a filosofia para zonas nunca exploradas “. (...) “Discute-se qual o sistema filosófico, entre os que na Europa mais benéfica influência exercem no pensamento contemporâneo, deva ser importado, adoptado e difundido no ambiente intelectual português”. Quem é que discute? Onde? Não se teria equivocado Álvaro Ribeiro, ouvindo falar em importação, de batatas da Dinamarca e automóveis de Detroit? Onde está essa U. N R. R. A. dos sistemas filosóficos?» Para um discípulo de Álvaro Ribeiro nada há a dizer? Será que sem a filosofia portuguesa existem Portugueses conscientes e livres?

Que distância poderá agora haver entre estes sarcasmos eduardinos de há trinta anos, típicos de um académico estrangeirado que, do alto do seu distante prestígio, retoma ao País para se assumir como farol da intelectualidade que concretizou o enfeudamento, politico e filosófico, de Portugal ao serôdio ideário positivista europeu, e a «Nova Águia» que, algures na inefável diversidade dos seus textos e autorias, vá lá entender-se por que caminhos ínvios e ocultas virtudes, apresenta Miguel Real, autor de «A Morte de Portugal», como o único ensaísta, ou filósofo, a merecer, no primeiro número da revista que, dizem, pretende renovar o ideário da «Renascença», uma recensão da Obra (exactamente, uma obra com «O» maiúsculo). A recensão é feita por um director da revista, que acompanha este autor desde que «estava a terminar a (...) Licenciatura em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, já preparando o Mestrado e o Doutoramento (...) na área do pensamento português contemporâneo». Com a mesma precisão com que geriu a sua voluntariosa ascensão pelos graus do curriculum universitário, este director traça o quadro onde ele, e possivelmente a revista que dirige, se orienta e movimenta. Nesse texto, começa por atribuir a Miguel Real (hoje, um dos directores da “Nova Águia”) a confirmação da possibilidade de uma «terceira via»: nem a via «académica» do desconhecimento altivo, que troça da filosofia portuguesa, nem a via anti-académica da contra-posição da tradição filosófica portuguesa a todas as outras. Real, o declarado discípulo do trocista Lourenço, é assim promovido a mentor da apaziguadora e abrangente «terceira via», de que parecem participar ou usufruir os que se revêem na «Nova Águia»!.

Entretanto, aos que se declarem discípulos de Álvaro Ribeiro e Orlando Vitorino, e que nessa «terceira via» não se revejam, o que estará reservado? Segundo o mesmo texto, parece que será assim: numa primeira fase, serão caricaturados como irrelevantes cultores de uma filosofia que se apresenta como «uma religião revelada», um «dogma». Depois, em fase posterior, a da usual bordoada sergina, serão epitetados de «sectários estéreis», uma vez que, a interesses corporativos não poderão ser arregimentados.

Também neste quadro estranhamos a aparente adesão de Pinharanda a esta «terceira via». Em si vemos o companheiro de numerosas iniciativas que foram decisivas para a fisionomia espiritual de uma Pátria que não se reconhece num qualquer libertino amesquinhar de religiões reveladas, ou na ignorância do que são dogmas.

De memória, referimos algumas dessas iniciativas:

— O «57», jornal do movimento da filosofia portuguesa.

— Conferências sobre o Ideal Português.

— A revista “Escola Formal” que propôs o liberalismo como «sistema natural da existência dos homens em sociedade».

— Campanha presidencial de 1986, dez meses de actividade intelectual e política durante a qual foram apresentadas propostas deduzidas dos princípios filosóficos, entre as quais um sistema para a economia, uma constituição política para Portugal e uma organização para o ensino que passava pela extinção da universidade pombalina.

Além destes aspectos que, repetimos, são referidos de memória, há as várias publicações de filosofia portuguesa, ciclos e debates, obras editadas, etc., que fazem da Escola de Filosofia Portuguesa um organon da Pátria com repercussões em todos os aspectos da vida geral dos Portugueses.

Poderíamos inventariar um sem número de iniciativas, sempre coerentes e actuais nos seus propósitos espirituais. Por conseguinte, não podemos concordar, e lemos com alguma incredulidade, a bizarra afirmação segundo a qual «desde 1932, ano de encerramento de “A Águia”, ao País não fora proposto um tão ciente e consciente documento programático de vida pátria.» Essa nossa incredulidade, Pinharanda, nasce ainda do que ficou dito, em palavras suas, a propósito de «A Exaltação da Filosofia Derrotada» de Orlando Vitorino: «Este livro só é comparável a “A Ideia de Deus” de Sampaio Bruno; só que, na sua conjuntura, o problema de Deus aparece figurado na ideia de Pátria para a qual O. Vitorino oferece uma Constituição. Nunca ninguém, com tanto amanho de terra arada, lavrou tão fundo, fazendo a arroteia de quanto importa: O jogo doméstico, o objectivo nacional, o interesse estatual, o ideal pátrio, o destino da liberdade humana em verdade. (...) Tudo aí está prometido ao futuro.»

Terminamos, evocando Álvaro Ribeiro, nosso Mestre comum, segundo o qual, fora do convívio tertuliar, os discípulos poderão sempre interrogar os mestres quando assumem posições públicas,

Um abraço dos seus companheiros de viajem.

A Direcção

Leonardo, revista de filosofia portuguesa
 

 

2 comentários:

  1. Francisco, boa noite. Conheci o site agora, por meio da página do novo livro do Olavo de Carvalho. Estou gostando...
    Parabéns!

    Abraços,
    Ale Costa
    Ordem Natural
    http://ordem-natural.blogspot.com

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  2. A ARROGÂNCIA E A SOBERBA do Estado na cobrança COLOSSAL de IMPOSTOS INJUSTOS , imorais , incorretos , e desumanos...só pode terminar com uma profunda CONSCIENCIA dos CIDADÃOS sobre a urgência da REFORMA POLITICO – FISCAL... que deve ser baseada nos princípios do BOM SENSO ... HONESTIDADE ... e JUSTIÇA ...
    ----- Deve existir um limite global á despesa do Estado , que em caso algum pode ultrapassar 1/3 da produção de riqueza do País ...( PIB ).
    ----- Deve existir um limite global ao numero de funcionários públicos , que em caso algum podem ultrapassar 5% da População Ativa...
    ----- Deve existir um limite total ao numero de impostos no País , que em caso algum podem ultrapassar os 4 ( QUATRO ) ---IVA...imposto sobre o consumo...IPP – imposto sobre a poluição...IJAT – imposto sobre os vícios... ISI – imposto sobre importações...
    ----- Deve existir um limite geral para as taxas ( alíquotas ) a cobrar para todos os quatro impostos , que em caso algum poderão ser inferiores a 10% nem superiores a 30% e nunca poderão ser alterados esses limites máximos...
    NA VERDADE SÓ COM UMA MUDANÇA FORTE E JUSTA...é possível transformar o País...criando uma sociedade mais rica...melhor...mais justa...e mais humana...
    ----O IMPOSTO SOBRE O TRABALHO DEVE SER ABOLIDO...
    -----O IMPOSTO SOBRE A LIVRE INICIATIVA DEVE SER ABOLIDO...
    -----SÒ ASSIM SE FAZ JUSTIÇA FISCAL E TRIBUTARIA.....
    SE concorda partilha COM TODOS OS SEUS AMIGOS........!!!!!!
    E adere aos grupos IMPOSTOS INJUSTOS NÂO...........REVOLUÇÂO DO BOM SENSO.......e ....NOVO OCIDENTE.....
    Com um grande agradecimento do manuel.ferreira82@yahoo.com.br

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