Para muitos, a escadaria é a própria existência. As cenas da vida de Cristo que a ladeiam pontuam os patamares, ou os estados de espírito, até à entrada do Templo. Não recordo a última vez que ali estive, mas também não importa. A lembrança é a do funeral do meu Avô e o peso terrível do caixão sobre os meus ombros.
Já envolto no estranho esquecimento do mundo, a presença do Anjo é mais forte do que nunca. Posto assim fui levado a subir os degraus e a assistir ao final da missa. A reza é a de um profundo pecador, sem direito ao chão sagrado. Não sou arrependido, nem peço perdão. A oração é dirigida e desejo até às lágrimas comunicar com o ser celestial. Evoco todos os entes dos mundos divinos. E os mortos também.
A reza envolve-me de forma pública, inédita e arrebatadora. Por instantes sou inconveniente, egoísta e herege. Tento chegar à intimidade e, quanto mais insisto, mais parece longínquo. Por vezes, a saudade do Anjo é intensa e tão criativa que excede tudo o que sou. Nem sei porque escrevo. Por esta altura, tudo parece sem sentido e um imenso disparate.
Depois, sinto o frio e húmido véu nocturno. São dezanove horas e quinze minutos e o Ivo aproxima-se. Abracei-o comovido mas sem oportunidade de falar do Anjo e da sua impressionante presença. Um dia, converso sobre o feitiço da minha alma. O Ivo é o único que, porventura, compreenderá o frenesim louco e vadio das minhas palavras.
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