terça-feira, 5 de novembro de 2013

Nótulas em defesa da Escola de Filosofia Portuguesa

Escola, em tradicional significado, é o lugar de ócio, da conversa inútil para os ditames do negócio. Advém a palavra de skholé que se refere à folga e ao descanso. A escola propicia a livre expressão do espírito, sem embargo das finalidades utilitárias, sociais ou económicas. O inútil discurso e a vadia conversa resultaram no entendimento segundo o qual escola é o lugar onde se estuda. Diríamos, o lugar onde se pensa, atendendo a que a liberdade reside no pensamento e que, afastado do negócio, o pensar deriva da verdade e tende para a verdade.

Este significado é o que mais convém à filosofia portuguesa. A tertúlia é a escola e o lugar do filosofar, longe do ócio e da cultura. Para Álvaro Ribeiro, o teorizador da filosofia portuguesa, o convívio assegura a transmissão esotérica da tradição. Segundo o filósofo, tradição é a palavra, cujos significados são desenvolvidos e transmitidos de pessoa a pessoa ou, se quisermos, de espírito a espírito. Lembramos também, José Marinho: “Não há filosofia sem ideias viventes e as ideias viventes estão nos homens viventes ou nos que, tendo passado da face do mundo, vivem ainda”.

O ambiente tertuliar é esotérico de vários modos, dos quais um dos mais decisivos é o que se associa à transmissão da palavra ou da tradição que organiza o pensar. O convívio e, não raras vezes, o simpósio, são formas escolares da arte de pensar, a filosofia.

domingo, 3 de novembro de 2013

Curto diálogo com Walmor Grade

Walmor Grade: Caro Francisco, boa noite! Acabei de ler o teu artigo Homem: "animal racional" ou "razão animada"? Como sou um simples leitor curioso (não sou escritor, jornalista ou filósofo), confesso que minha superficialidade não permitiu que captasse a essência ali contida, talvez pela linguagem mais filosófica utilizada. Não sei se estou no caminho correto, mas estarias querendo dizer que a evolução referida por Aristóteles seria no sentido da purificação (ou santificação e consequente libertação) da alma que anima o homem, único ser vivo com esta possibilidade, por causa de sua racionalidade? Imaginei ser esta a tua ideia, mesmo porque parece confirmar que tal evolução se diferenciaria dos conceitos do Espiritismo e do Darwinismo. Se eu estiver raciocinando corretamente, dirias que a incorruptibilidade dos corpos de alguns santos seria já quase uma “demonstração com argumentos da observação”, neste caso? Agradeço a compreensão e a atenção que puderes  conceder.  Grande abraço

Francisco Moraes Sarmento: Caro Walmor, agradeço o seu comentário. Primeiro uma justificação: demoro a comentar , uma característica própria que não significa desprezo pelo meu interlocutor.  O pensamento não pressa e, reconheço também, sou um discípulo preguiçoso de Hermes. Preguiçoso, mas atento.
Quanto ao que escreve: parece-me correcto e penso que estejamos em concordância no geral. O homem aperfeiçoa-se e a condição desse movimento é conhecer-se enquanto espírito. Na filosofia portuguesa, a vida é teleológica e simboliza o regresso ao paraíso. O homem, composto de corpo, alma e espírito, é um ser que evolui. O evolucionismo encerra-se na antropologia e não transgride para a cosmologia (vertendo-se num transformismo) e para a teologia (tornando-se numa espécie de antropocentrismo). A palavra é um acto de razão e só conhecemos ou tem existência o que emerge através da palavra. A racionalidade, e não a razão raciocinante, é uma tendência para a perfeição ou para utilizar a suas palavras poderá ser uma purificação ou santificação. Mas ao utilizar estas expressões apelamos, ainda que não seja nossa intenção, para uma cisão e uma separatividade que coisificada poderá obstruir à visão unívoca da verdade. Do ponto de vista antropológico, a morte é uma mudança de estado, a que a teologia dará significado.
Na citação que faço do filósofo português, penso que não estaria a focalizar-se na questão da “incorruptibilidade dos corpos de alguns santos”. Poderá ser esta incorruptibilidade uma manifestação do aperfeiçoamento da razão (ou nos seus termos, da purificação ou santificação)? Quanto a esta questão não saberei responder.
Termino, agradecendo novamente o seu comentário e esperando continuar o nosso diálogo. Um abraço. Francisco

Walmor Grade: Salvé, Francisco! Gostei muito do seu pensamento. Vc diz agora:  “A palavra é um acto de razão e só conhecemos ou tem existência o que emerge através da palavra.” E também usa o termo “visão unívoca”, que acabo de ver também numa explicação do Prof Olavo de Carvalho, ao falar sobre a linguagem humana num contexto bastante aproximado, aqui. Gostei bastante de ambas as colocações. Abraços.