sábado, 14 de junho de 2014

Fernando Pessoa e a Família Quadros Ferro








A influência da família Quadros Ferro no destino da obra de Fernando Pessoa tem sido um aspecto pouco atendido por historiadores e investigadores.

Pessoa era um intelectual conhecido apenas em alguns círculos restrictos e, mesmo assim, a sua aparência estranha e taciturna era dada à caricatura pelos seus amigos e companheiros de “viagem” Almada Negreiros ou Teixeira Cabral. Também filósofos e poetas como Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes ou mesmo José Régio, "guardavam suas distâncias" em relação a Fernando Pessoa, como nos lembrava Orlando Vitorino.

Fernando Pessoa era um autor de “textos sem morte”, para aproveitar uma expressão de António Ferro, talvez a sublinhar a eternidade dos seus versos, mas que servem ainda para ilustrar os textos que se amontoavam, com sucessivas hesitações e emendas, e um autor sem obra feita para além de escritos dispersos em algumas publicações.
A amizade e admiração entre eram sentimentos mútuos entre António Ferro e Fernando Pessoa, circunstâncias que ditaram um dos objectivos de Ferro quando passou a dirigir o Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), em 1933. No ano seguinte, criou diversos prémios literários, um dos quais para permitir que Fernando Pessoa fosse “descoberto para a sociedade em geral”, não tanto pelo seu “nacionalismo liberal e místico” que pouco tinha a ver com filosofia do Estado Novo, mas pela sua genialidade e inspiração poéticas. Referimo-nos à primeira edição do Prémio Antero de Quental (poesia).
Na acta da reunião que decidiu os vencedores do referido concurso, António Ferro sublinharia a sua grande satisfação por ver o júri reconhecer e homenagear o mérito da obra de Pessoa, “trazendo à luz de uma maior publicidade um nome de marcado prestígio nos cenáculos intelectuais mas que até então voluntariamente vivera num isolamento distante”. Também consta naquele documento a intenção de “aproveitar a escolha do júri para demonstrar a Fernando Pessoa o singular apreço que a sua rara personalidade merece a todos espíritos cultos”.
Foi este concurso que motivou o aparecimento da obra que hoje conhecemos como “Mensagem”, o único livro publicado por Fernando Pessoa em vida.
Com o falecimento dos dois protagonistas, a saga pessoana da família Quadros Ferro ganhou outra vida, desta vez no domínio do pensamento. Referimo-nos, primeiro, ao fascínio que as personagens pessoanas geraram no espírito de António Quadros; depois, à sua sublimação pelo pensamento que transformaram este pensador no mais sério e sistemático intérprete do poeta.
Na exposição “De Fernando Ninguém a Fernando Pessoa. A presença de Fernando Pessoa na Fundação António Quadros”, patente na Biblioteca Municipal Laureano Santos, em Rio Maior, e organizada por aquela instituição, mostra-se em forma livro os modos como a ausência se foi vertendo numa presença decisiva. De amigo da família, Fernando Pessoa tornou-se num daimon, ou seja, num ente espiritual, de António Quadros. O que dizer, quando já cego, teimava em escrever “A Paixão de Fernando P.”, inspirado no amor de Fernando Pessoa por Ofélia ou do desabafo que deixou já quando o espectro da Morte o visitava: Para dar o essencial de Fernando Pessoa, tenho de dar o essencial de mim. Às vezes, chego a pensar que Fernando Pessoa é uma presença de que não me posso livrar. Glosando Pessoa, diria que Quadros chega a fingir que é Pessoa, Pessoa que deveras sente.

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